Uma carta para Oscar Wilde

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Colaborador E-Dublin

6 anos atrás

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Aqui em Galway, passando pela Shop Street quase que diariamente e te vendo sentado aí, Oscar, ao lado do Eduard, por várias vezes tive vontade de sentar-me junto a vocês e ver o movimento passar.

Conversar sobre como deveria ser bom se a simbologia deste banco, presente da Estônia, representada por vocês, deixasse de ser somente símbolo. Você, Irlandês e Eduard, Estoniano, sentados lado à lado significa a vontade dos países de que o mundo não tivesse fronteiras, fossem livres e sem muros, convivendo pacificamente como uma prosa no banco da praça.

Estátuas de Oscar Wilde e Eduard Vilde, em Galway. Foto: Livne

Estátuas de Oscar Wilde e Eduard Vilde, em Galway. Foto: Livne

É, Oscar, as coisas por aqui, mais de 100 anos depois da sua partida física, em se tratando principalmente de fronteiras, andam bem longe dessa boa prosa de vocês. Mas, na verdade, Oscar, essa carta não é nem para falar sobre isso. É mais para falar sobre a vida em Galway, aqui na Irlanda e sobre o que você anda vendo e deixando de ver sentado aí.

A Shop Street, meu caro Oscar, essa rua movimentada onde somente circulam pessoas, que começa aí onde você está sentado e termina lá embaixo perto do rio, é um dos lugares mais interessantes que já vi na minha vida. Ela, mesmo agora no inverno, ainda tem alguns artistas de rua que a fazem ainda mais bela e aconchegante. Está certo que logo aí ao lado de você, ficam dois rapazes se equilibrando em cima destes pequenos postes e tocando sempre as mesmas músicas de improviso. Ouvir o dia todo os mesmos acordes deve cansar um pouco. Mas eles são bons, confesse!

Logo mais abaixo, não sei se você percebeu, mas o loiro baixinho com seu karaoquê, entrega muito mais do que música. Ele vende felicidade e alegria. As performances e a emoção que ele coloca nas músicas devem te divertir bastante, principalmente em dias de chuva constante e de rua mais vazia, não? Ele, afinal, chova muito ou pouco, está sempre por lá e como eu, creio que você também já deve ter percebido que ele recebe mais dinheiro pela espontaneidade do que pela música.

Oscar, aquele negro bem arrumado e de voz grave e forte anda sumido, você percebeu? Como eu, você também já se emocionou com aquele vozeirão à capela logo cedo, quando a rua ainda está vazia? Pois eu já, meu caro! Como é bonito de se ouvir aquele canto forte embalado pela marcação do som do seu pé. Este sempre ganhava muito dinheiro dos grupos de turistas da terceira idade e talvez por isso esteja fugindo dos nossos dias frios e congelantes do inverno.

Ah, Oscar, por falar em gente que anda sumida, me lembrei de alguns outros que você deve estar sentindo falta e ansioso pela chegada do verão e volta deles, não? O quarteto de cordas das meninas, o grupo que ficava ali naquela esquina perto do banco com rapazes muito bem vestidos, o senhor com sua gaita de fole e toda sua indumentária escocesa, o escultor de areia e, claro, os alemães da marimba.

Oscar, com a chegada do inverno muita gente se foi, não é? Mas a cidade continua encantadora e deslumbrante. Digo a você que uma das muitas horas em que tenho certeza de que estou vivendo dentro de um cenário de um lindo e bucólico filme é à noitinha, quando passo por aí, ouço aquele cantor de cabeça branca que se senta de pernas cruzadas no seu tapete, cantando belas música. É um dos momentos que, te confesso, queria eu que todo ser humano tivesse a oportunidade de viver. Não dá para descrever. Só sentir. E você ouve isso toda noite, não? Descendo mais um pouco, as pessoas que seguram as placas dos restaurantes e lojas ainda estão lá, em sua maioria, brasileiros. Lá no Brasil, no interior do meu país, é costume as pessoas se reunirem no banco da praça para conversar e ver o movimento passar.

Detalhe da estátua de Oscar Wilde em Galway. Foto: Patrick Dinneen

Detalhe da estátua de Oscar Wilde em Galway. Foto: Patrick Dinneen

Ali, Oscar, acontece algo bem parecido, além de trabalho é um ponto de encontro, de informações e de bate papo. Isso acaba ajudando a passar o tempo do pessoal que fica lá segurando as placas, já que o trabalho é meio difícil por causa do frio. Meu caro, você, um dândi que é, deve se sentir muito bem sentado aí, não? Como são belas as irlandesas! Muitas vezes parecem saídas de um filme de época! Mas como é estranho, aos meus olhos latinos, vê-las com essa maquiagem laranja no rosto! É uma vontade aparente de estar com a melanina mais exposta e isso às vezes (na maioria) não fica bom. Imagino que, mesmo extravagante e com seu senso estético tão apurado, você às vezes deve virar o pescoço enquanto ninguém vê para confirmar se é uma menina ou uma boneca. E mesmo no frio intenso, elas estão sempre com saias curtas e se equilibrando em grandes saltos, que as seguram após algumas cervejas.

E por falar em frio e cerveja, Oscar, devo te confessar que para mim, essas são as duas coisas mais impressionantes daqui. Sentado aí você já deve ter presenciado dias e noites de frio intenso. Mas vou te dizer que, para nós latinos, o frio daqui é cortante. A chuva muito fria e o sol que não aquece, às vezes esfria nosso coração e nossa alma também. Aqui estamos muito próximos do Pólo Norte não é mesmo, Oscar? Deve ser por isso que, mesmo naqueles dias em que o sol aparece brilhante e cheio de vida no céu azul, ele não esquenta. Lá nos trópicos, Oscar, acredite, o dia mais frio do inverno é um dia de temperatura alta por aqui.

E a cerveja? Nossa Oscar, como elas são saborosas e diferentes das nossas cervejas usuais lá nos trópicos! Hoje, por lá, temos muitas cervejas artesanais, principalmente onde eu vivo. Porém aqui, a variedade é muito maior e o sabor deliciosamente incomparável. Eu disse que me impressionava com elas, não? Deixa eu explicar: eu não sou aquela que bebe muita cerveja (principalmente se comparada a você lá nos idos de Paris, porque, convenhamos, você exagerou bem, né?) mas eu gosto.

Quay Street, Galway. Foto: SAH

Galway. Foto: SAH

Então, lá nos trópicos tomava boas cervejas — mas a daqui são infinitamente mais fabulosas — só que estava acostumada a beber uma cerveja muito gelada e a dividir com os amigos. Ahhhh, meu caro Oscar, como isso faz diferença! Por lá, a gente senta numa mesa e vai pedindo as garrafas de cerveja. Elas chegam, alguém se dispõe a servir o copo dos demais que estão na mesa, com o criterioso cuidado de colocar mais ou menos a mesma quantidade para cada um. É uma cerveja compartilhada, onde todos palpitam na escolha, conferem a temperatura, brindam felizes, pedem várias saideiras e os copos vão se enchendo mais e mais uma vez. Lá também a gente tem algo que se chama tira-gosto. Na verdade nem é para tirar o gosto da bebida, mas para acompanhá-la e mais uma vez compartilhar. Pede-se um prato cuja maioria da mesa elegeu e quando ele chega a comida é compartilhada por todos. Então, por isso meu caro Oscar, que te falo que me impressionei com a cerveja. Na verdade foi com o sabor e com a forma de tomá-la, entendeu? Nós temos todo um ritual que vai além de encher um copão e pedir um prato individual.

Foi bom conhecer a forma de vocês, as cervejas são deliciosas, mas tenho certeza que, você que gostava de movimentadas festas, iria gostar destes nossos rituais também. O bom daqui é que não tem conta, não é? Já que você precisa ir buscar sempre no balcão o seu copão de meio litro de cerveja, que vocês chamam de “pint”, e pagar na hora. É isso Oscar, viver aqui longe de lá é um misto de encantamento, de saudade e de saudade antecipada. Talvez dessa inquietude viva o meu coração e por isso minha vontade de me sentar aí com você para conversarmos um pouco. Estar aqui é ter saudades de lá e também já a plena e convicta certeza de que, estar lá, será ter muitas saudades daqui. Creio ser esse o maior dilema de todas as pessoas que se aventuram em viver pelo mundo, fora de casa. Depois dou mais notícias! Até, Oscar! Acho que, mesmo com essa chuva e esse frio de menos alguma coisa lá fora, vou sair e dar uma passadinha por aí para ver você e o Eduard.

Sobre a autora:
euNarly Simões, como uma autêntica mineira, gosta de uma boa conversa, de um café e de contar casos. Sempre apaixonada por viagens e principalmente pelas pessoas e experiências que encontra nelas, depois de anos trabalhando na área de Comunicação no mercado de Telecom, resolveu chegar aos 40 vivendo no Oeste da Irlanda, em Galway. De lá, escreve cartas para contar sobre as delícias da vida em dias frios. Para saber mais de suas histórias, acesse seu blog em medium.com.

 

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